domingo, 26 de setembro de 2010

ENTREVISTA EXCLUSIVA A RITA MARRAFA DE CARVALHO - JORNALISTA DA RTP

1) Rita como é que nasce esta paixão pelo jornalismo? Era também daquelas crianças que se punha em frente ao espelho a apresentar o telejornal?
Não, de todo. A apresentação de um espaço informativo nunca foi factor de fascínio. Achava limitativo. Interessava-me o terreno, o contar a história, o estar nos locais e interagir com os intervenientes. Comecei na Rádio e Televisão Escolar, no Liceu. Um simples Clube de Comunicação Social que acendeu um rastilho intenso... uma vontade de contar as histórias reais. A partir daí, quis experimentar tudo o que me apareceu na área da comunicação: rádio local, imprensa escrita, até produção de cinema. Depois, naturalmente, seguiu-se o curso de Ciências da Comunicação, na Universidade Nova de Lisboa. A necessidade de saber como contar, modos de contar, de intervir, de dominar os modelos comunicacionais.



(Foto de Garriapa - jornalista da SIC)

2) Há quantos anos está nesta profissão e qual foi o local da sua rampa de lançamento?
Eu comecei a fazer rádio na SeixalFM com 17 anos. Depois, foi em crescendo. Já lá vão 16 anos.


3) Voltaria a fazer tudo da mesma forma?
Julgo que sim. Não há nenhum passo de que me arrependa. Aprendi sempre algo. Mesmo quando a experiência foi menos gratificante ou prazeirosa, tirei sempre lições.






4) A Rita para além da sua faceta de jornalista dedica-se também à escrita. Em 2006 surge juntamente com Eduardo Águaboa no romance, Vieste p@ra ser o meu livro. Acredita que numa sociedade cada vez mais globalizada, se perderam os velhos hábitos de socialização face-a-face, ou o espaço «dos bites e bytes» serviu para aumentar esses elos de ligação entre as pessoas?
Esse, curiosamente, é o tema da minha tese de Mestrado, ainda em construção... Sem dúvida que a “tecnologização” das relações criou novos conceitos de interacção. Se são passíveis de qualificação como bons ou maus, é discutível. A informação dialogante está acelerada, rápida, imediata. Mas isso é sinal de que está melhor? Não, não creio. A parede tecnológica, que é algo que intermedeia uma relação comunicativa, como um computador, um telefone ou os SMS's, intensifica a intimidade. Mas essa mesma intimidade não deixa espaço para toda a paralinguagem. Não existe o cheiro, as inflexões da voz, ou as expressões do olhar. Toda a linguagem corporal e facial perde-se. Por isso, sim... acho que os hábitos de socialização estão inegavelmente diferentes. Potenciam o contacto mas isso não significa que melhorem o contacto.




5) Já em 2008 juntamente com a jornalista Margarida Neves de Sousa surge como autora de uma obra mais jornalística, de investigação – Esmeralda ou Ana Filipa. Como é que uma jornalista consegue gerar emoções tão fortes neste caso concreto, onde ambas as partes revelavam querer o melhor para a menina, quererem a guarda definitiva de Ana Filipa no caso da Família Gomes ou de Esmeralda no caso do pai biológico, Baltasar Nunes?
Essa obra foi tremendamente trabalhosa. Aquilo a que se chama “uma verdadeira dor de cabeça”. Lemos milhares de artigos publicados, vimos horas de reportagens dos três canais, uma carga inexplicável de informação divulgada pelos media. Não nos é permitido, obviamente, adoptar posições mas revelar factos. E, neste caso em concreto, muitos dados não eram claros, não tinham sido divulgados correctamente ou com exactidão. E era inegável o interesse social e criminal do caso. Subitamente, era a novela da Esmeralda a que as pessoas assistiam todos os dias nos noticiários. Mas era de uma criança que se tratava... disputada por três famílias, a certa altura. Os meios de comunicação foram os culpados de verdadeiras barbaridades... fotografar a criança no primeiro dia de escola, filmá-la a gritar dentro do carro na passagem para o pai biológico. São momentos que, esperemos, sirvam para reflectirmos e não repetir.

6) A Rita é uma grande defensora da preservação da Língua, enquanto identidade Portuguesa. O que lhe apraz dizer sobre o acordo ortográfico?
Essa questão é curiosíssima porque assumi essa posição num espaço cibernáutico como o Facebook. Curiosamente, as pessoas mais directamente ligadas ao uso da língua portuguesa não foram perdidas nem achadas neste Acordo. Não, de facto, não concordo com os preceitos, os métodos e imposições. Não é uma questão de se preservar a rigidez da língua, mas de permitir a sua riqueza inter-continental. Não temos de falar todos da mesma maneira, não temos de uniformizar fórmulas! Os Ingleses dizem e escrevem garbage, os americanos trash. Os ingleses escrevem want to, os americanos utilizam com mais frequência o wanna. E então? São estas preciosidades que os tornam únicos.

7) Recorda-se ainda hoje do seu 1.º directo? Onde foi, que reportagem e que sentimentos a rodearam naquele momento?
Recordo-me do meu primeiro directo de televisão, sim. Mas não me recordo do de rádio, o que não deixa de ser curioso. O meu primeiro live em televisão nem foi como jornalista, mas como apresentadora do Curto Circuito Especial de fim-de-semana, no já extinto CNL. O Rui Unas e a Rita Mendes apresentavam de 2ª a 6ª e eu aos Sábados, com um painel de convidados, três horas em directo, sem teleponto. Maravilhoso. Correu muito bem. Na RTP, como jornalista, foi na estação rodoviária do Colégio Militar por uma greve qualquer. Estávamos em 2000.Quem me conhece sabe que não sou de grandes nervos ou inseguranças. Quando apresentei o Curto Circuito estava, inevitavelmente, tensa. Mas foi algo que ultrapassei nos primeiros minutos, quando ouvi no auricular “estás no ar”. Talvez por isso, o directo na RTP tenha sido feito com alguma tranquilidade. Não era novidade olhar para uma câmara, ouvir o “fala” no ouvido... Gosto muito do sem-rede, do é agora. É um pôr-me à prova de que gosto bastante e que confere uma adrenalina notável. E tenho um péssimo hábito: não escrevo nada, não faço anotações, não decoro discursos. Se por um lado é bom, - não fico agarrada a um fio que se pode perder ou sem capacidade de respostas face ao imprevisto,- por outro, se me esquecer de um nome ou de um número... Talvez por isso, goste da efemeridade do directo, do teste “tenho de dar o máximo de informação com clareza e veracidade”. A minha estratégia é simples: se tenho de partilhar uma informação com o telespectador, faço-o como se contasse algo a alguém familiar, num estilo informal mas incisivo e com as devidas distâncias discursivas, como se de um diálogo se tratasse em lugar de um discurso empinado.

8) Sente que a vida de jornalista na actualidade é difícil, pela sua precariedade, pela sua remuneração?
Não tenho a menor dúvida que estamos a passar por uma das piores fases do mercado jornalístico. Não há empregos. Não há lugar para as “fornadas” de jornalistas que saem das universidades, politécnicos, escolas profissionais. Muitas com um ensino duvidoso e programas desprovidos de qualquer sentido prático do ofício. Mas hoje, atenção, os jornalistas são mais bem pagos do que eram há uns anos valentes. Quando surgiram as televisões privadas, e mesmo antes, com os jornais de vanguarda, que foram uma autêntica pedrada no charco, como o Público e o Independente, os salários sofreram visíveis aumentos. Actualmente, vivemos um período negro... os estagiários não são remunerados, a progressão de carreira é lenta ou inexistente, e os salários não conhecem aumentos há muito tempo. Os jornalistas são dos licenciados mais mal pagos no início de carreira. Algo que me entristece muitíssimo. Há um congelamento de expectativas, de evolução. É difícil crescerem e surgirem novos nomes porque, constantemente, há areia na engrenagem...

9) O que a mais gratifica na sua profissão?
A intensa e permanente aprendizagem e o modo como mudamos a vida das pessoas. Que influências intensificamos, as convicções que se alteram, outras realidades que revelamos... e aquelas que nos são reveladas a nós próprios. Guardo as mais preciosas histórias e o prazer de ter privado com os mais ilustres anónimos que partilharam comigo experiências de vida riquíssimas. Essa é a grande virtude: aprender, experimentar, conhecer. É uma fonte inesgotável para uma sede de conhecimento que tenho.



Banda Aceh, Samatra, Indonésia, 2005
Tsunami no Sudeste Asiático

10) Grande reportagem ou pivô da informação? Porquê?
Não há qualquer dúvida quanto a isso... Grande reportagem sempre. Eu recordo que nem sempre tivemos pivôs jornalistas. Os pivôs eram apresentadores. Por isso, homens com um poder comunicacional brilhante, boa imagem e cultura-geral, eram pivôs. O Fialho Gouveia e o Carlos Cruz foram pivôs de informação, por exemplo. Hoje em dia isso já não acontece. Mas, mesmo assim, tenho a convicção de que a índole do repórter está no terreno, no campo, no toque e na vivência. Jamais teria espírito para ficar encerrada num estúdio, alterando pivôs propostos pelos jornalistas que executaram as reportagens... e são nessas que eu gosto de estar. São essas que eu gosto de fazer.

11) Considera que os media causam alguma influência na sociedade portuguesa? Em que sentido?
Não podemos ser ingénuos e considerar que os media têm um papel suave e superficial. Não, de todo. Eu recordo-me de um documentário feito na SIC para o canal Arte, por Mariana Otero... em Cette télévision est la vôtre, Emídio Rangel dizia, numa reunião , algo do género... que vendiam presidentes como vendiam sabonetes. E não está muito longe da verdade. Existem interferências mais ingénuas no que diz respeito a influência dos media, como um produto óbvio da máquina mediática que é o happening. A presença de comunicação social é produtora de happenings... uma manifestação com 5 ou 6 pessoas calmas e ordeiras, transfigura-se com uma ou duas máquinas de filmar. As pessoas gritam mais alto, têm posturas mais assertivas. Tudo isto é plausível. Depois temos as convicções transformadas em modelações da realidade. Essas são as evitáveis...




12) A Rita foi uma das jornalistas a fazer a cobertura no terreno na leitura da súmula do acórdão do Processo Casa Pia, no passado dia 3 de Setembro. Todos nós, público, vimos a observação que Carlos Cruz lhe fez nesse dia, aquando da sua intervenção sobre o arguido, dizendo que este revelava um passo apressado na sua entrada. Acha que nestas situações tão delicadas, muitas vezes os jornalistas são de certa forma inferiorizados, bodes expiatórios, que resulta na revolta dos arguidos?
Carlos Cruz não estava numa posição fácil e eu também não. Não é comparável ouvir uma sentença ao final de 5 anos e 10 meses de julgamento e estar em directo numa maratona. Não tenho a menor dúvida, mas eram momentos tensos para ambos e ele respondeu com alguma tensão defensiva. Percebo lindamente. Se existiam outros modos e fórmulas para responder e escoar essa tensão? Sim, claro que havia.
Os jornalistas são incómodos para quem não quer responder! São chatos para quem está constantemente a ser assediado por jornalistas, são inconvenientes quando as questões são postas recorrentemente... tudo é relativo. Depende de que lado se está. O meu trabalho é informar. Tentar, legitimamente, obter informação. Se tenho de ser chata? Às vezes. Compensa? A maior parte das vezes sim... É ingrato? Não tenho a menor dúvida.

13) Como é que vê a relação entre a política e o jornalismo na sociedade contemporânea?
Vejo com a singularidade normal das relações entre jornalismo e restantes editoriais e temas. A relação foi, noutra altura, mais promíscua. Talvez mais tácita. Hoje é algo mais distante, mais respeitoso. Os terrenos estão mais delimitados. E ainda bem.

14) Nos últimos tempos tem-se falado bastante no código deontológico do jornalista. Haverá alguma situação em que este possa ser violado, ou pelo menos deixado um pouco de parte, quando se quer passar a verdadeira informação ao público leitor -espectador?
Não me parece. O código deontológico, tal como código de Processo Penal ou qualquer regra instituída, é contornável. Mas existem violações e violações. Há princípios básicos que jamais devem ser postos em sob o prejuízo de se desvirtuar a natureza do jornalismo leal, rigoroso e imparcial.


15) A universidade é um pilar do jornalismo, ou é um dos factores que associados à prática jornalística se conjugam no bom jornalista?
Temos grandes jornalistas que nunca passaram pelo ensino superior. No entanto, as exigência da modernidade são muitas e requerem instrumentos que um perfil académico dá. A universidade não substitui a prática, o terreno, mas fornece-nos um conjunto de utensílios de reflexão, conhecimento e uma cultura mosaico imprescindíveis para a efemeridade e a rapidez quotidiana.

16) Como é que nasce uma reportagem exclusiva num canal de televisão, no seu caso a RTP?
Nasce como em outro canal qualquer. Uma investigação própria, uma denúncia, uma descoberta de documentos... qualquer exclusivo requer uma fonte própria, informações únicas, corroboradas e legitimadas.

17) Todos os dias tem mais a aprender com os seus colegas há mais tempo no jornalismo?
Todos os dias são dias de aprendizagem. Com os meus colegas mais novos, mais velhos, com os entrevistados... As referências jornalísticas são sempre excelentes consultores.

18) Quem são para si os jornalistas de referencia da actualidade? Porquê?
O Adelino Gomes é um nome incontornável, bem como o de Joaquim Furtado. Hoje em dia, o Eduardo Dâmaso, o Henrique Monteiro... o Zé Manel Fernandes. Pessoas que tiveram um papel determinante no panorama jornalístico português no pré e no pós 25 de Abril. Que tiveram o privilégio de presenciar e fundar jornais maravilhosos, num tempo áureo de turbulência social e mediática.

19) Que perspectivas têm para a sua vida profissional?
Continuar a contar histórias. E escrever muito. A escrita é a linguagem e a aplicação do verbo na qual me sinto mais completa. A minha carreira profissional tem de passar obrigatoriamente pelo prazer. Quando não usufruir do que faço, mudo de emprego, de ofício.

Muito obrigado!