domingo, 12 de dezembro de 2010

À CONVERSA COM RICARDO PINTO: ENTREVISTA EXCLUSIVA AO SUB-DIRECTOR DE INFORMAÇÃO RTP E APRESENTADOR DO «HOJE», ANTÓNIO ESTEVES

1) António com que idade e em que circunstâncias surge a sua ligação ao jornalismo?

Comecei nesta profissão muito jovem, em Março de 1989, tinha ainda 19 anos.
Foi perfeitamente por acaso. Um dia fui à Rádio Nova Antena, em Odivelas, com o meu amigo Paulo Costa que era locutor dessa rádio. Na altura juntávamo-nos todos no estúdio durante os programas uns dos outros, havia um clima de camaradagem muito bom. Estava no ar o Jorge Freitas – hoje locutor da TSF. O Jorge gostou da minha voz e pediu-me para anunciar um dos sinais horários da madrugada e lançar duas músicas. As rádios locais permitiam essas brincadeiras. Uma semana depois estava a ler notícias sobre música ao sábado à tarde no programa do Paulo Costa, e em menos de um mês tinha sido convidado pelo dono da rádio para fazer um programa de música, na sexta-feira à noite – o Norte Atlântico. Quando dei conta já eram três os programas que assinava – Norte Atlântico, Jardins de Pedra e Club Tropicana –, todos diferentes e com estilos musicais diferenciados. Também editava noticiários e vendia publicidade – hoje actividades completamente incompatíveis. Como oferecia a voz aos anunciantes – na altura creio que se cobravam dez contos (50 euros) – acabava por vender imenso. Ganhava bem por causa disso.

2) Se não fosse jornalista o que se via a fazer, profissionalmente?

Nunca imaginei fazer outra coisa. Claro que passei pela fase do piloto, do astronauta, do bombeiro, do polícia. Houve uma altura em que queria ser advogado, inspirado pela série Perry Mason.
Aos 6 anos já simulava relatos de futebol e tentava imitar o Fernando Correia, o David Borges, o Ribeiro Cristóvão, o Jorge Perestrello – que infelizmente já não está entre nós.
Um dia acordo e estou a trabalhar ao lado de todos eles, a receber elogios pelo meu trabalho (Risos). Nem queria acreditar.

3) Onde é que se licenciou?

Não me licenciei. Frequentei o curso de Direito, na Universidade Internacional em Lisboa. O Fernando Seara – Presidente da Câmara de Sintra - era meu professor. O Matos Correia – deputado do PSD, e ex-chefe de gabinete de Durão Barroso – também. Havia ainda o Narana Coisssoró e o Adriano Moreira, mas nunca me deram aulas.
Frequentei o curso até ao 3º ano, mas só completei o 2º.
Entrei para o quadro da TSF e tive de fazer uma opção. Uma parvoíce. Hoje teria requerido o estatuto de trabalhador-estudante. Mas tinha 22 anos na altura e não pensei da melhor forma. Era uma grande oportunidade que não queria deixar fugir, e na TSF não houve grande abertura como aconteceu mais tarde com outros casos.


4) Cada vez mais se fala do jornalismo enquanto um 4.º Poder que funciona em simultâneo como contra-poder. Acha que o jornalismo deve assumir essa mesma função?


O jornalismo é sempre contra-poder, porque não alinha com nenhum dos poderes instituídos. O jornalista deve colocar-se sempre numa posição de senso comum, no lugar do espectador, do cliente, do utente, do cidadão comum nas suas múltiplas facetas diárias.
Deve questionar de forma corajosa, rigorosa, isenta e distanciada, e não se deixar intimidar pelos poderes. Não é fácil. Cada vez menos.
O jornalismo é um poder por si próprio, cada vez mais mal usado. É usado de forma leviana e cada vez mais por pessoas que se servem do jornalismo e não servem o jornalismo.

5) Como é que vê a evolução do jornalismo sobretudo ao longo das últimas décadas em Portugal?


O aparecimento da TSF e da SIC foram uma lufada de ar fesco e deram origem ao jornalismo em directo. Um jornalismo corajoso, agressivo às vezes, dinâmico, interventivo, um jornalismo que não se limitava à secretária e aos telefones. Um jornalismo que punha tudo em causa, imaginativo e criativo, que ia ao fim da rua mas também estava disposto a ir ao fim do mundo. Hoje só há dinheiro para o fim do bairro (risos).
A partir de certa altura, qualquer pessoa podia ser questionada em qualquer local sobre qualquer assunto. Era uma situação incómoda que rompia com o status quo, com a previsibilidade reinante. Um ministro podia receber um telefonema às sete da manhã, ou ter um jornalista à porta e à saída de casa.
Hoje voltámos ao jornalismo preguiçoso, à secretária e ao telefone, sem confrontação de fontes e sem exercício do contraditório. Um jornalismo manhoso e comprometido com vários interesses.
Felizmente que há várias “ilhas” de bom jornalismo em Portugal que contrariam este cenário. A RTP é uma delas, felizmente.

6) A informação isenta e objectiva são características pelas quais o bom jornalismo deve primar, no entanto não considera que «por mais que se procure esse distanciamento, a personalidade do jornalista, o seu pensamento» acabam muitas vezes por demarcar determinadas posições?


Não há jornalismo objectivo. As pessoas são subjectivas quando colocam em qualquer coisa um cunho pessoal. É possível que a mesma reportagem dê origem a peças completamente distintas desde que seja feita por várias pessoas.
O que deve haver é jornalismo sério, isento, rigoroso, credível e honesto. Um jornalismo sem opinião, factual, que respeite a ética e a deontologia. Muitas vezes não há.

7) A relação entre o político e o jornalista são vincadas de um misto de ambivalências. O político precisa do jornalista para transmitir as suas ideias, opiniões e o jornalista precisa dele para informar o cidadão. Não obstante quando o jornalista entra em campos de investigação com os quais o político não concorda gera-se muitas vezes um clima de tensão. Como é que vê na actualidade esta relação?

Há uma grande promiscuidade entre os poderes políticos e económicos e uma boa parte dos jornalistas. Não devia haver.
A política pressiona os poderes económicos que por sua vez pressionam os jornalistas. Outras vezes são os poderes económicos a pressionar a política que pressiona os jornalistas.
Nós somos o ele mais fraco e as pressões são cada vez maiores. De todos os lados e das formas mais diversas e discretas. Mas não podemos ceder em nenhuma circunstância. Não é fácil.
Em Portugal toda a gente pressiona toda a gente e às vezes quem acusa os outros tem um telhado de vidro do tamanho dos Jerónimos (Risos)
Mas há pessoas pressionáveis, outras não. Resisto a isso ignorando as pressões.
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8) Estreou recentemente juntamente com uma vasta equipa um novo espaço de informação na RTP 2 – HOJE. Como é que caracteriza este novo espaço de informação?


Um espaço de qualidade informativa em geral, dinâmico na forma e consistente no conteúdo.
É um espaço a dois tempos.
Às 19H00 acompanhamos ainda a vertigem dos acontecimentos. Em 20 minutos temos de resumir o dia, fazer directos, ouvir os protagonistas, mostrar as principais imagens do dia. É um espaço muito dinâmico.
Às 22H00 mastigamos o dia, devagar, saboreando as notícias. É um espaço mais analítico, explicativo, em que ouvimos os comentadores, analistas, onde temos reportagens mais longas, onde vamos até aos 13 locais onde a RTP tem correspondentes para ter um olhar português sobre a realidade desses países.
Onde temos com regularidade algumas das vozes mais respeitadas do país.


9) Quer nos falar um pouco da sua rotina diária, quando está apresentar o programa.


A lócura!!! (Risos).
Levanto-me cedo para dar papa ao meu filho, para vesti-lo e brincar com ele. Tem 17 meses e necessidade de apoio e muita atenção. A mãe trata dele à noite e eu de manhã. Vejo sempre cerca de uma hora de canal Panda, um Pocoyo ou outro e outra bonecada. Quando a ama dele chega, despacho-me a correr – vejo as noticias na TV - e venho para a RTP, onde entro cerca das 10.30, 11 da manhã.
Leio jornais e preparo a reunião de informação diária às 12H15. Almoço a correr para poder ler os jornais com mais detalhe e começar a preparar a entrevista da noite. É sempre sobre um tema diferente, com especialistas e vozes respeitadas na área em questão, e por isso não se pode facilitar.
Apresento às 19 e 22H00, e pelo meio como uma sandes e um sumo.
Quando acaba a edição, cerca das 22H40, ainda ficou até às 23H30, meia-noite, para despachar assuntos em atraso. Sou subdirector, pivô e coordenador do HOJE e não posso, nem devo, descurar nenhum dos aspectos. Chego a casa muitas vezes cerca da uma da manhã. São no mínimo 12 horas por dia, mas não me queixo. Adoro o que faço, faço-o de forma voluntária e com gosto.
Mas a melhor parte do dia é quando estou outra vez com o meu filho, a vê-lo dormir e com ar tranquilo. E lhe digo que é a coisa que mais amo nesta vida. Desde que ele nasceu que passei a ter mais uma preocupação: não fazer nada de que ele um dia se possa envergonhar. Acho que até agora consegui (risos).


10) Como é trabalhar com a jornalista Cecília Carmo?


É óptimo. É uma excelente pessoa, calma, tranquila, bem disposta. Qualquer pessoa da RTP lhe dirá que isto é verdade.
É muito experiente na área da apresentação e trocamos muitas ideias. Ela deu-me conselhos muito úteis no início. Agora manda em mim (risos). ÀS vezes tenho de a lembrar que eu é que sou o subdirector, mas ela não me liga nenhuma (risos).


11) Quem seria a personalidade que ainda não entrevistou mas sempre manteve aquela convicção de um dia a poder entrevistar? Porquê?


Nelson Mandela. É a única personalidade mundial, além do Xanana, que gostava de abraçar e poder dizer-lhe o quanto o admiro. Infelizmente está muito doente e nunca poderei fazê-lo.
Delicio-me com a história do António Mateus – autor recente de um livro sobre Mandela – que privou com ele.
Também gostava de entrevistar a minha mãe, é uma mulher admirável, de uma coragem sem limites. Uma inspiração diária. Mas os manuais desaconselham tal actividade. É pena.


12) Onde se sente mais confortável, como pivô da informação ou em reportagem?
No jornalismo em geral.

Já fiz de tudo na profissão – até já me armei em realizador – e gosto de tudo.
O que mais gostei até hoje foi participar em operações especiais, mesmo quando coordenei e não apresentei nem fiz reportagem ou directos. E fiz centenas, desde cimeiras a visitas de estado, campeonatos do mundo e da Europa de futebol, o Dacar, sismos, uma guerra, eu sei lá…
A minha mulher diz que nunca vou deixar isto até morrer porque não vou ser capaz de largar o jornalismo. Eu ainda acredito que me vou converter à agricultura e ao turismo rural um dia destes (risos).

13) Falemos um pouco das suas reportagens. Gostaria que enumerasse os países onde já esteve em reportagem e quais foram as situações mais caricatas pelas quais passou.
Ui!!! Tem uma semana? (Risos)
Já estive em mais de 30 países e nas mais diversas situações. As mais marcantes foram a Bósnia e o Sismo de L’Aquila, em Itália. Em 6 dias houve 12 sismos de média e forte intensidade. É uma experiência impressionante.
Também me marcou o dia em que morreu um adepto do Sporting no Estádio Nacional. Parece que ainda estou a ver o very-light espetado no peito, o jacto de sangue, o pânico e o desespero dos amigos e vizinhos de bancada. Do pior que vi até hoje. Eu estava na bancada presidencial doJamor, ao lado de António Guterres e Jorge Sampaio. A TSF acabou por dar em primeira mão a morte do adepto porque eu consegui apanhar uma conversa entre assessores do Primeiro-ministro e do Presidente que estavam em pânico com a situação. Só dei o nome e o local de residência depois de ter a certeza de que a família estava avisada. Mas confesso que pressionei ao máximo para que fosse rápido. Havia milhares de adeptos do Sporting no Estádio Nacional, imagine a quantidade de pessoas pelo país preocupadas com a incerteza da identidade – familiares, amigos, conhecidos…
Também dei a morte do Ayrton Senna em primeira mão. Nunca mais me esqueço, foi no dia 1 de Maio, feriado, de 1994. A TSF era a única rádio em directo naquele momento e com noticiários à meia hora, eu chamo o correspondente Henrique Cardão e ele confirma a notícia acabada de chegar, creio que pela Reuters. Foi uma situação que me marcou muito. Eu era um fã do Senna, tinha 25 anos e ele 34. Estava a dar a notícia e a fazer um esforço enorme para não me deixar dominar pela emoção. Tinha isso gravado, um dia destes ponho no facebook.
Há também vários campeonatos da Europa e do Mundo em Futebol, o Dacar, cimeiras, visitas de estado, campanhas eleitorais, congressos partidários, e por aí fora. Em 21 anos, na Rádio Nova Antena, Rádio Orbital, TSF, CNL, SIC e RTP, veja bem o que era possível contar-lhe.
Uma das mais caricatas foi durante a Volta a Portugal em Bicicleta. Um dos repórteres de rádio da velha guarda estava o meu lado em directo na chegada a Lisboa, e estava previsto que os ciclistas passassem duas vezes pela meta, uma vez num sentido e depois no outro. Ele quando ouve o som ensurdecedor da caravana, pensa que já era a chegada definitiva, e pede que o chamem. Eu vejo-o muito agitado porque nunca mais o chamavam, e quando finalmente passam a emissão para lá ele está a olhar para o lado em que os ciclistas iam chegar à meta apenas no final da etapa. Mas a caravana – já estava previsto – começa a chegar pelo lado contrário. Ele não sabe. E começa (não tenho a certeza que o diálogo seja EXACTAMENTE ASSIM):
- Há uma mota da GNR, em sentido contrário. Meu Deus, mas isto é um perigo. Olha, outra mota da GNR em sentido contrário. E agora o carro do oficial. Está tudo doido!!! (Com aquela voz espectacular de radialista)
E continua aos gritos:
- E agora, claro, os ciclistas foram enganados e estão a chegar à meta ao contrário.
Até que um colega, que também está ao lado dele, lhe diz:
- Ó …. Estás a olhar para o lado contrário. O percurso é mesmo por aqui, só daqui a pouco é que voltam neste sentido.
Foi de rir à gargalhada.
Noutra ocasião, o mesmo colega distraiu-se e quando estava a descrever a chegada dos ciclistas caiu num buraco entre o meu plateau e o dele no camião destinado à comunicação social.
Mas não se magoou nem se calou. Ficou com um cotovelo de cada lado, o microfone numa das mãos, o corpo gordinho e pequenino a balançar em suspenso no vazio e lá continuou a fazer a descrição da chegada como se nada se tivesse passado. A imagem era ridícula. Eu tive de passar ao Carlos Marta – ex-ciclista e comentador da TSF que estava em estúdio – e não conseguia parar de rir. Deus castigou-me. No dia a seguir fui eu que caí no buraco, mas não estava em directo, e magoei-me num braço.
Há também a imensa confusão que as pessoas fazem entre mim e o Hélder Reis da Praça da Alegria na RTP 1. No Mundial da Alemanha, em 2006, os emigrantes passavam a vida a pedir-me para tirar fotografias, autógrafos e celebrizaram uma das palavras de ordem nesse Mundial: “Ó Xôr Hélder, gosto muito do seu programa!!!” O Nuno Luz dizia isto várias vezes ao dia e punha toda a gente a rir à gargalhada. Aida hoje há pessoas que quando me cumprimentam dizem: “Olha o xôr Hélder!!!” (risos)

14) A RTP continua a apostar numa informação de qualidade. Quais acham ser as principais características que distinguem a informação da Televisão Públicas das demais Generalistas?


A principal característica é isso mesmo, informação de qualidade. Bons jornalistas, boa liderança, não facilitar nos procedimentos, questionarmo-nos permanentemente se estamos a enveredar pelo caminho certo, não termos certezas absolutas – porque é meio caminho para o desastre – e assumir com humildade que estamos a aprender todos os dias e é sempre possível fazer ainda melhor. Dá muito trabalho, mas dá muito gozo. A informação da RTP é líder, e não é por acaso. É devido a uma excelente equipa, muito grande, na televisão mais antiga do país.


15) Para terminar que conselhos, alusões gostaria de deixar aos futuros jornalistas deste país…


Isto não é vida para ninguém!!! E só nos filmes é que os jornalistas não fazem nada o tempo todo, andam em almoços e jantares e têm muitas miúdas e descapotáveis. (risos)
A sério. Acho que o jornalismo corre sérios perigos em Portugal. Quem quiser vir tem de vir com espírito de missão e paciência para comprar algumas guerras a favor do rigor, da ética e da deontologia. Caso contrário é melhor escolherem outra coisa.

domingo, 5 de dezembro de 2010

À CONVERSA COM RICARDO PINTO - ENTREVISTA A CARLOS ENES, JORNALISTA DA TVI

CONTINUANDO NAS MINHAS ENTREVISTAS DESTA VEZ ESTIVE À CONVERSA COM O JORNALISTA DA TVI, CARLOS ENES.

1) Carlos com que idade e em que circunstâncias surge a sua ligação ao jornalismo?

Como foi a minha avó Branca quem me ensinou a ler - e a jogar às cartas – publiquei o meu primeiro texto aos 5 anos, antes de entrar para a escola, no jornal da Biblioteca Infantil e Juvenil de Viana do Castelo. Mais tarde, fiz um jornal na associação de estudantes do “liceu”. E por volta dos 13 anos comecei a fazer rádio, na Rádio Alto Minho, que funcionava num quartel de bombeiros. Aí, aprendi muito e fiz de tudo, até relatos de futebol.

2) Sempre se viu como um futuro jornalista? Que motivações o trouxeram para esta área?

Sempre, sempre, não. A Irmã Bernardete, minha professora primária, a melhor professora primária do Mundo, adivinhou primeiro do que eu. Julgo que defini a vocação no ciclo preparatório, com a minha professora de Português, que se chamava Gabriela. No ensino secundário para mim já era claro que queria ser jornalista. O gosto pela escrita e pela política, no sentido mais amplo do termo, foram decisivos. A absoluta falta de talento para outras coisas, como jogar à bola, também.

3) Onde é que se licenciou?

Na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova, em Lisboa. Vão mudá-la de sítio. É uma pena, porque aquela esplanada da avenida de Berna era muito importante para a nossa “formação”.

4) Onde é que inicia a sua vida ligada ao jornalismo?

Na estação de Santa Apolónia, numa sexta-feira. Entrei no comboio Intercidades e conheci o Pedro Loureiro, fotógrafo de O Independente. A culpa é dele. Eu ainda estava no terceiro ano de faculdade e acabei por ter a minha oportunidade no jornal, um ano depois - e de dezenas de telefonemas a massacrar o Franco Caruso, editor que me abriu a porta.

5) Em que ano e circunstâncias ocorre a sua vinda para a Televisão Independente?

Ao fim de cinco anos de “O Independente” achei que tinha de mudar. Estive com um pé noutros jornais mas o José Eduardo Moniz, que não conhecia de parte nenhuma, convidou-me para “dar notícias” na TVI. Deu-me a volta, porque eu tinha a mania de que não gostava de televisão.

6) Actualmente o Carlos está ligado a um jornalismo fortemente vincado pela investigação. Como é que um jornalista parte em busca do exclusivo?

Para conseguir entrar em “O Independente” eduquei-me para isso. Quando cheguei à redacção já tinha uma “estória” própria. E depois outra, e outra. Só assim foi possível agarrar a oportunidade. Portanto, o primeiro ponto é a atitude. Os jornalistas existem para informar. Revelar o que de interesse público está escondido ou mal contado parece-me mais importante e estimulante do que andarmos a repetirmo-nos uns aos outros, ou a fazer de “pés de microfone”, sem qualquer espírito crítico ou cultura para distinguirmos a verdade da mentira, a informação da propaganda. Depois, para conseguir o exclusivo o jornalista tem de estudar, de ler muito, para compreender o que anda a passar-se à sua volta e o que ele próprio anda a fazer. Finalmente, precisa de uma agenda de contactos e de estar aberto a falar sempre com muita gente.

7) Qual foi a situação mais caricata, quiçá, mais arriscada pela qual passou, enquanto jornalista?

Nunca fiz jornalismo de guerra. Não tenho riscos sérios para contar.
Quanto ao caricato, um dia estive quase a levar uma carga de pancada num relato de hóquei em patins. A Juventude de Viana tinha uma equipa fabulosa, creio que deu 8 ou 9, mas nós não pudemos cantar os golos, caso contrário apanhávamos dos adeptos locais.
Ameaças anónimas já recebi algumas, mas sinceramente não ligo. Às vezes uns senhores mais incomodados com as perguntas ameaçam-me com processos judiciais, mas aprendi a respeitar os tribunais, que não comem jornalistas ao pequeno-almoço. Digo sempre: “faz favor, não deixe de exercer os seus direitos, mas já agora esclareça lá esta questão”. Os últimos a ameaçarem-me, com um estrondoso processo de levantamento do sigilo profissional, foram uns deputados do PS no parlamento, aquele Ricardo Rodrigues dos gravadores à cabeça. Como é óbvio, era só foguetório político: nunca meteram processo nenhum. Como vês, nunca fui seriamente ameaçado.

8) Que reportagem mais o marcou enquanto denunciadora social de uma determinada situação? Livro de reclamações…

Não consigo escolher… Nos tempos de “O Independente”, o relatório dos 500 medicamentos ineficazes, ou mesmo perniciosos, alegremente comparticipados pelo Estado. Ou as contas que andei a fazer à mão, hospital a hospital, serviço a serviço, sobre a baixíssima produtividade da maioria dos cirurgiões. Mais recentemente, a vergonha da Oftalmologia em Portugal. Ou a total irresponsabilidade da nossa política de prevenção de sismos, que vai matar muitas dezenas de milhar de pessoas em Lisboa, no Algarve e no Alentejo litoral. Sobre corrupção, não dá para escolher. Mas vivo indignado com a ladroagem de fato e gravata que nos roubou a todos – e à próxima geração - e que ainda anda por aí a dar lições de moral e de jornalismo.

9) Vê-se como pivô da informação ou o que o fascina mesmo é a reportagem?

Não. A oportunidade de entrevistar ou conduzir debates em directo, pontualmente, podia atrair-me. Mas ser “pivot” não me atrai nada.

10) Como é que surgiu o blogue Fragmentos de Apocalipse. O Petra continua a ser uma musa inspiradora?

Já quase não pratico. Mas achei, num determinado momento, que devia entrar na “blogosfera” por três razões. Curiosidade, por me permitir fazer análise e opinião – o que não tem interesse para o grande público da televisão - e para conquistar outro tipo de fontes. Quanto ao Petra, tem o blog dele. Convidei-o para escrever no meu, mas ele baldou-se. Há uns dias disse-me que anda a farejar formas de manifestação cívica mais eficazes. Nem o Sporting melhorou com a indignação dele e isso fez o cão descrer nas potencialidades das tecnologias de informação.

11) Carlos, na sua perspectiva o que fez acabar o jornal Nacional de Sexta? Motivações políticas, linhas editoriais?

Políticas.

12) O desfecho do Caso Freeport foi o correcto ou o politicamente possível?

Ainda está em curso, por isso vou responder-te genericamente. O desfecho de todos estes “casos” – Freeport, Portucale, Submarinos, Furacão, Universidade Independente, etc. – é o resultado de dois fenómenos muito portugueses: leis penais e processuais que tornam quase impossível perseguir e punir a criminalidade financeira; e o controlo político das cúpulas da Justiça e dos organismos de polícia criminal.

13) Enquanto repórter quais foram os países por onde passou? Que situações o marcaram mais?

Que me lembre: Cuba, Índia, República Checa, Inglaterra, França, Espanha, Marrocos… O Hospital Prazad, na Índia, marcou-me bastante. Como é possível ter a melhor investigação científica e assistência oftalmológica do Mundo – sem listas de espera! – num país tão pobre? O povo cubano também é muito especial, mas já o conhecia das minhas viagens.


14)
A Manuela Moura Guedes sempre se marcou pela irreverência, independência. Como é que foi trabalhar ao lado da pivô?
Foi uma trabalheira, mas foi óptimo. Eu adoro a Manela. É a mais independente de todos os chefes que conheci e há muito poucos jornalistas como ela.



15) No passado dia 5 de Novembro em entrevista a Bruno Nogueira, RTP 1, Manuela Moura Guedes dizer que a actual informação da TVI “é uma porcaria”. O que lhe apraz dizer acerca deste comentário, de alguém que já esteve à frente da direcção de informação da Televisão Independente?

Sobre a TVI falo internamente. À Manela telefono-lhe, não bato bolas em público. Mas aproveito a pergunta para te dizer que perfilho uma visão muito crítica do actual jornalismo. Se o jornalismo não contou, antes das eleições, o país que se revelou logo a seguir, não achas que falhou? Eu acho que sim e até me parece estranho que ninguém se preocupe com isso e que o público não nos atire à cara que o enganámos.

16) Para terminar, que mensagem gostaria de deixar aos futuros jornalistas deste país?

Pensem.