domingo, 5 de dezembro de 2010

À CONVERSA COM RICARDO PINTO - ENTREVISTA A CARLOS ENES, JORNALISTA DA TVI

CONTINUANDO NAS MINHAS ENTREVISTAS DESTA VEZ ESTIVE À CONVERSA COM O JORNALISTA DA TVI, CARLOS ENES.

1) Carlos com que idade e em que circunstâncias surge a sua ligação ao jornalismo?

Como foi a minha avó Branca quem me ensinou a ler - e a jogar às cartas – publiquei o meu primeiro texto aos 5 anos, antes de entrar para a escola, no jornal da Biblioteca Infantil e Juvenil de Viana do Castelo. Mais tarde, fiz um jornal na associação de estudantes do “liceu”. E por volta dos 13 anos comecei a fazer rádio, na Rádio Alto Minho, que funcionava num quartel de bombeiros. Aí, aprendi muito e fiz de tudo, até relatos de futebol.

2) Sempre se viu como um futuro jornalista? Que motivações o trouxeram para esta área?

Sempre, sempre, não. A Irmã Bernardete, minha professora primária, a melhor professora primária do Mundo, adivinhou primeiro do que eu. Julgo que defini a vocação no ciclo preparatório, com a minha professora de Português, que se chamava Gabriela. No ensino secundário para mim já era claro que queria ser jornalista. O gosto pela escrita e pela política, no sentido mais amplo do termo, foram decisivos. A absoluta falta de talento para outras coisas, como jogar à bola, também.

3) Onde é que se licenciou?

Na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova, em Lisboa. Vão mudá-la de sítio. É uma pena, porque aquela esplanada da avenida de Berna era muito importante para a nossa “formação”.

4) Onde é que inicia a sua vida ligada ao jornalismo?

Na estação de Santa Apolónia, numa sexta-feira. Entrei no comboio Intercidades e conheci o Pedro Loureiro, fotógrafo de O Independente. A culpa é dele. Eu ainda estava no terceiro ano de faculdade e acabei por ter a minha oportunidade no jornal, um ano depois - e de dezenas de telefonemas a massacrar o Franco Caruso, editor que me abriu a porta.

5) Em que ano e circunstâncias ocorre a sua vinda para a Televisão Independente?

Ao fim de cinco anos de “O Independente” achei que tinha de mudar. Estive com um pé noutros jornais mas o José Eduardo Moniz, que não conhecia de parte nenhuma, convidou-me para “dar notícias” na TVI. Deu-me a volta, porque eu tinha a mania de que não gostava de televisão.

6) Actualmente o Carlos está ligado a um jornalismo fortemente vincado pela investigação. Como é que um jornalista parte em busca do exclusivo?

Para conseguir entrar em “O Independente” eduquei-me para isso. Quando cheguei à redacção já tinha uma “estória” própria. E depois outra, e outra. Só assim foi possível agarrar a oportunidade. Portanto, o primeiro ponto é a atitude. Os jornalistas existem para informar. Revelar o que de interesse público está escondido ou mal contado parece-me mais importante e estimulante do que andarmos a repetirmo-nos uns aos outros, ou a fazer de “pés de microfone”, sem qualquer espírito crítico ou cultura para distinguirmos a verdade da mentira, a informação da propaganda. Depois, para conseguir o exclusivo o jornalista tem de estudar, de ler muito, para compreender o que anda a passar-se à sua volta e o que ele próprio anda a fazer. Finalmente, precisa de uma agenda de contactos e de estar aberto a falar sempre com muita gente.

7) Qual foi a situação mais caricata, quiçá, mais arriscada pela qual passou, enquanto jornalista?

Nunca fiz jornalismo de guerra. Não tenho riscos sérios para contar.
Quanto ao caricato, um dia estive quase a levar uma carga de pancada num relato de hóquei em patins. A Juventude de Viana tinha uma equipa fabulosa, creio que deu 8 ou 9, mas nós não pudemos cantar os golos, caso contrário apanhávamos dos adeptos locais.
Ameaças anónimas já recebi algumas, mas sinceramente não ligo. Às vezes uns senhores mais incomodados com as perguntas ameaçam-me com processos judiciais, mas aprendi a respeitar os tribunais, que não comem jornalistas ao pequeno-almoço. Digo sempre: “faz favor, não deixe de exercer os seus direitos, mas já agora esclareça lá esta questão”. Os últimos a ameaçarem-me, com um estrondoso processo de levantamento do sigilo profissional, foram uns deputados do PS no parlamento, aquele Ricardo Rodrigues dos gravadores à cabeça. Como é óbvio, era só foguetório político: nunca meteram processo nenhum. Como vês, nunca fui seriamente ameaçado.

8) Que reportagem mais o marcou enquanto denunciadora social de uma determinada situação? Livro de reclamações…

Não consigo escolher… Nos tempos de “O Independente”, o relatório dos 500 medicamentos ineficazes, ou mesmo perniciosos, alegremente comparticipados pelo Estado. Ou as contas que andei a fazer à mão, hospital a hospital, serviço a serviço, sobre a baixíssima produtividade da maioria dos cirurgiões. Mais recentemente, a vergonha da Oftalmologia em Portugal. Ou a total irresponsabilidade da nossa política de prevenção de sismos, que vai matar muitas dezenas de milhar de pessoas em Lisboa, no Algarve e no Alentejo litoral. Sobre corrupção, não dá para escolher. Mas vivo indignado com a ladroagem de fato e gravata que nos roubou a todos – e à próxima geração - e que ainda anda por aí a dar lições de moral e de jornalismo.

9) Vê-se como pivô da informação ou o que o fascina mesmo é a reportagem?

Não. A oportunidade de entrevistar ou conduzir debates em directo, pontualmente, podia atrair-me. Mas ser “pivot” não me atrai nada.

10) Como é que surgiu o blogue Fragmentos de Apocalipse. O Petra continua a ser uma musa inspiradora?

Já quase não pratico. Mas achei, num determinado momento, que devia entrar na “blogosfera” por três razões. Curiosidade, por me permitir fazer análise e opinião – o que não tem interesse para o grande público da televisão - e para conquistar outro tipo de fontes. Quanto ao Petra, tem o blog dele. Convidei-o para escrever no meu, mas ele baldou-se. Há uns dias disse-me que anda a farejar formas de manifestação cívica mais eficazes. Nem o Sporting melhorou com a indignação dele e isso fez o cão descrer nas potencialidades das tecnologias de informação.

11) Carlos, na sua perspectiva o que fez acabar o jornal Nacional de Sexta? Motivações políticas, linhas editoriais?

Políticas.

12) O desfecho do Caso Freeport foi o correcto ou o politicamente possível?

Ainda está em curso, por isso vou responder-te genericamente. O desfecho de todos estes “casos” – Freeport, Portucale, Submarinos, Furacão, Universidade Independente, etc. – é o resultado de dois fenómenos muito portugueses: leis penais e processuais que tornam quase impossível perseguir e punir a criminalidade financeira; e o controlo político das cúpulas da Justiça e dos organismos de polícia criminal.

13) Enquanto repórter quais foram os países por onde passou? Que situações o marcaram mais?

Que me lembre: Cuba, Índia, República Checa, Inglaterra, França, Espanha, Marrocos… O Hospital Prazad, na Índia, marcou-me bastante. Como é possível ter a melhor investigação científica e assistência oftalmológica do Mundo – sem listas de espera! – num país tão pobre? O povo cubano também é muito especial, mas já o conhecia das minhas viagens.


14)
A Manuela Moura Guedes sempre se marcou pela irreverência, independência. Como é que foi trabalhar ao lado da pivô?
Foi uma trabalheira, mas foi óptimo. Eu adoro a Manela. É a mais independente de todos os chefes que conheci e há muito poucos jornalistas como ela.



15) No passado dia 5 de Novembro em entrevista a Bruno Nogueira, RTP 1, Manuela Moura Guedes dizer que a actual informação da TVI “é uma porcaria”. O que lhe apraz dizer acerca deste comentário, de alguém que já esteve à frente da direcção de informação da Televisão Independente?

Sobre a TVI falo internamente. À Manela telefono-lhe, não bato bolas em público. Mas aproveito a pergunta para te dizer que perfilho uma visão muito crítica do actual jornalismo. Se o jornalismo não contou, antes das eleições, o país que se revelou logo a seguir, não achas que falhou? Eu acho que sim e até me parece estranho que ninguém se preocupe com isso e que o público não nos atire à cara que o enganámos.

16) Para terminar, que mensagem gostaria de deixar aos futuros jornalistas deste país?

Pensem.

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