domingo, 9 de janeiro de 2011

Entrevista à jornalista da RTP, Daniela Santiago

Jornalista da RTP foi distinguida pela Unesco e pelo ACIDI (Alto Comissariado para a Imigração e Dialogo Intercultural).

Daniela Santiago ganhou o Prémio de Jornalismo Direitos Humanos e Integração, atribuído pela Unesco e pelo ACIDI (Alto Comissariado para a Imigração e Dialogo Intercultural) relativo a 2008. A reportagem "Missão Reomau", dá conta de umas férias radicalmente diferentes e solidárias feitas por um grupo de dez pessoas que pagou para reconstruir uma maternidade no Senegal, sob a égide da AMI. "Estou muito contente", garante Daniela Santiago, "porque é o reconhecimento do meu trabalho e do trabalho solidário destas dez pessoas que pagaram para ir ajudar outras no Senegal".


1) Daniela se a desafiássemos a tocar uma peça de Mozart no piano sentia-se capaz, ou o Conservatório de Música já ficou arrumado na sua gaveta das recordações?
DS) Claro que tocava... mas preferia as Invenções de Bach (a nº 9 ou nº13, as minhas preferidas) ou as três Gimnopedies de Erick Satie. Pianista durante 12 anos, sempre pianista. As minhas mãos nunca vão esquecer o peso das teclas de um piano, do meu piano. Aos 18 anos tive de fazer uma escolha... optei pelo Jornalismo... não segui para o Superior de Música.

2) Como foi crescer na Covilhã? Ainda se lembra por exemplo dos seus Invernos rodeados de neve à volta da lareira?
DS) Lembro-me da neve. Nunca tive lareira. Sempre vivi no centro da cidade, num apartamento. A ideia que viver no interior corresponde a uma vida no campo, rodeada de galinhas e vacas é completamente errada (o que não significa que isso não seja bom, adoro campo e animais). Viver numa cidade como a Covilhã permitiu-me fazer o secundário ao mesmo tempo que o Conservatório em piano, cantar no côro e dar concertos, fazer rádio, sair com amigos, ir à discoteca e ser uma das melhores alunas na escola. Se estudásse em Lisboa passaria o tempo no trânsito... e não teria tido tempo para metade. Lembro-me de não ter escola devido aos nevões; de ir para a janela ver os vizinhos cairem nas escadas em frente; da Serra da Estrela “sempre a olhar para mim”; da água congelada nos canos no Inverno; do cheiro a queijo fresco; da leiteira que tocava à campainha; dos pintainhos na praça às segundas-feiras (às compras com a minha avó “Lula”; do “madeiro” de Natal e da Missa do Galo; de toda a minha família que ainda vive na Beira Interior; dos meus amigos... lembro-me e tenho saudades de tudo. Tenho, acima de tudo, grandes e boas memórias. Não nasci lá, sou lisboeta, já vivo há mais anos em Lisboa do que vivi na Covilhã (16), mas continuo a dizer que sou Covilhanense! Beirã.

3) Subiu muitas vezes a Serra da Estrela? Que recordações guarda desta sua infância no interior do País?
DS) Subi algumas... algumas delas a pé. No Verão, com amigos! Afinal, a Covilhã fica numa das encostas da Serra. No entanto, não era assim tão frequente. Quando temos algo mesmo à nossa frente, neste caso à nossa volta, habitualmente não lhe damos valor. Acredito que muitos lisboetas tenham ido à Estrela mais vezes do que eu.

4) Aos 18 anos regressa a Lisboa onde acaba por concluir o seu curso superior na área do jornalismo. Qual foi a sua 1.ª experiência profissional após a conclusão do seu curso?
DS) Vim para Lisboa aos 18 anos. Candidatei-me para Comunicação Social no ISCSP, da Universidade Técnica de Lisboa, e entrei (primeira opção). Estive na Faculdade de 92 a 96 e entrei na RTP quando terminei a licenciatura... primeiro como estagiária, depois como “recibo verde”... e, finalmente, como funcionária no quadro da empresa. Já lá vão 14 anos!


5) 4 de Março de 2001. Uma data que nunca será esquecida pelo menos para aqueles que viram partir os seus entes queridos. Como é que um jornalista consegue no meio de tanto sofrimento, impotência, lidar com as pessoas e sobretudo conseguir filtrar essa dor que se abateu em detrimento de toda esta tragédia?
DS) Essa foi exactamente a minha investigação para mestrado: “O Reconforto da Televisão – uma visão diferente sobre a tragédia de Entre-os-Rios”. A pergunta poderia levar dias a responder... a minha tese tem cerca de 300 páginas.
Escrevi sobre isso para o Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação, no ISCTE. Debrucei-me sobre isso mais tarde no livro sobre o Tsunami... no projecto para o meu doutoramento em Sociologia (que ainda não concluí). Voltei a insistir na objectividade, no “falso automatismo”, na credibilidade que urge e no respeito pelos jornalistas no “Comunicação e Jornalismo na Era da Informação” e, mais recentemente, no “Ideias Perigosas para Portugal”... a minha opinião está publicada e mais que partilhada. Digo apenas que os jornalistas deveriam dar-se ao respeito... para poderem ser respeitados. Todos os telespectadores entendem que numa situação de dor não podemos ser sujeitos passivos... máquinas sem sentimentos. Se nos ouvirem, “virem”, “lerem” como jornalistas credíveis, experientes... serão informados da mesma forma, sem falsas objectividades e certezas impossíveis de fornecer. TODOS somos seres humanos.



6) «15 Dias no Sri Lanka depois do Tsunami». Que imagem encontrou quando chegou a este local? Como é que uma jornalista, uma mulher, uma mãe, uma filha assiste a este cenário tão dantesco?
DS) Ainda não era mãe nessa altura, a minha filha nasceu em 2006. No entanto, nada foi diferente por isso. Sempre fui muito sensível à desgraça, à tristeza, à dor alheia. Desde miúda que tento ajudar os outros (pessoas, animais... acusam-me muitas vezes de ser “lamechas”, sensível, “de lágrima fácil”). Não considero que assim seja, sou sensível, sim! Sou genuína, verdadeira, amiga, protectora, “mãe-galinha”, faço minhas as dores dos outros, vivo tudo com intensidade máxima. Vivo, acima de tudo! Sou eléctrica, muitas vezes sou penalizada e prejudico-me por ter o “coração na boca”. Reagir a quente, dizer tudo o que sinto e vejo. Às vezes é mau, arrependo-me e peço desculpa. No entanto, considero que, na esmagodora maioria das vezes, é muito bom! Nunca fico com nada por dizer, por sentir, por viver... No Sri Lanka descobri o Inferno. A morte e a vida. A tristeza máxima e a alegria do recomeçar de novo... do Sri Lanka vim uma nova mulher... No livro que escrevi “Inferno no Paraíso – 15 dias no Sri Lanka depois do Tsunami” fiz a catarse da Daniela Santiago mulher, desmistifiquei a Daniela Santiago jornalista... e o que é ser jornalista, mulher, ser humano... no Inferno em Vida!

7) Crianças que perdem os pais, que fiquem sem ninguém para as ajudar a crescerem. É mesmo o inferno no paraíso?
DS) É pior... porque não estamos mortos.



8) «Da objectividade total à expressão das emoções». O bom jornalista será aquele que se centra na objectividade total ou isso é impossível de acontecer na prática, uma vez que os jornalistas são seres mortais comuns, nutridos de espiritualidade?
DS) Peço desculpa por responder com uma citação... mas é minha, cito parte do texto que escrevi para o livro “Ideias Perigosas para Portugal”, 2010, Edições Tinta da China: A OBJECTIVIDADE dos Jornalistas! A OBJECTIVIDADE que tanto se apregoa aos “sete ventos” sem questionar se alguma vez é isso que APENAS importa quando se faz reportagem… e falo de REPORTAGEM, não de “notícias” feitas por “pés de microfone”, mensagens que outros fazem passar por pessoas que se auto-denominam jornalistas, mas não são mais que “mensageiros” de falsas “notícias”. Eu sei. Bem sei que, há muito, racionalmente, se deixou de insistir na “OBJECTIVIDADE TOTAL”. Pelo menos, assim acredito. Se alguém continua a defender tal aberração, ou seja, que é possível um ser humano, um Homem, ser “totalmente objectivo”, não vive decerto no mesmo Mundo que eu. Será, no entanto, correcto continuarmos a insistir com tanta veemência na GRANDE importância da objectividade no jornalismo? JORNALISMO, não “simples transmissão de informações de outrem”. Não seria mais profissional, ético, correcto… Não seria “mais objectivo”, assumir perante os leitores, ouvintes e telespectadores… Assumir, abertamente, que os jornalistas, como Homens e Mulheres, seres humanos como todos os outros profissionais, são exactamente como TODOS os seres humanos? É certo que TODOS os jornalistas (não mensageiros que proliferam nos media de hoje em dia) devem cingir-se ao trabalho, ao relato, ao testemunho mais objectivo que consigam. Devem lutar por ser isentos, o mais que consigam mas, claramente, assumindo à partida que, tal como escreveu o laureado com o Nobel da Paz Elie Wiesel, “aquele que ouve uma testemunha torna-se, ele próprio, numa testemunha”. Que relato mais fiel, que experiência pode um leitor ou um telespectador desejar para além do relato de alguém que, o mais fielmente possível, tenta contar aquilo que viu, ouviu, testemunhou… através dos seus olhos, ouvidos, olfacto… ou mesmo tacto? Não será muito mais enriquecedor contar com a experiência de alguém que, assumidamente, por força da profissão de jornalista, já “cobriu” inúmeros acontecimentos, fez parte da própria história da humanidade, do país ou da região (não são apenas os grandes acontecimentos que fazem os grandes repórteres)? A opinião de alguém que dedicou a vida ao jornalismo não será digna e fidedigna para quem a ouve? Não será o testemunho do jornalista mais fiel e imparcial que o comentário, as ideias opinativas que todos os dias se amontoam, em discursos elaborados, nos jornais ou em espaços informativos dos canais de televisão? (...) A objectividade “encapotada” é pior que assumir que os jornalistas têm o dever de isenção, devem tentar ser o mais objectivos possível… mas daí até não terem qualquer interferência na forma como a notícia chega até aos leitores, ouvintes e telespectadores vai a distância de Portugal à Nova Zelândia.
No meu, modesto, entender, a grande preocupação de todos os que trabalham nos meios de comunicação social, tal como daqueles que confiam nos jornalistas para se manterem informados, deveria passar pela CREDIBILIZAÇÃO da profissão e dos profissionais da área. Não é só o mundo da Política, a Justiça, o sector económico-financeiro… que precisam de CREDIBILIDADE.


O jornalismo atravessa um período difícil. O jornalismo encara dificuldades como nunca enfrentou. Falta credibilidade. Credibilidade precisa-se, com urgência, para quem ama o Jornalismo como eu. Confiar no bom trabalho de um jornalista não exige que esse mesmo jornalista seja um AUTÓMATO, uma máquina que transmite, exactamente, o que vê, o que ouve, sem sentimentos, coração, alma… ou discernimento do que está certo ou errado. Não se querem desvios ou interferências, mas também não se deseja hipocrisia, superioridade e arrogância despojada de qualquer sentimento humano, que nos torna a todos diferentes, e por isso mesmo, únicos e “ricos” na vasta heterogeneidade que é o Mundo em que vivemos. A experiência, a visão transversal da passagem pelos mais diversos cenários, momentos e registos, são mais valiosas que qualquer tentativa de isenção e imparcialidade totais, que, caso fossem possíveis, não fariam mais que retirar a importância, o “cunho” Humano e a emoção real desses próprios acontecimentos reduzindo-os a “pedaços de gelo”, que derretem e se diluem da memória de quem por eles passou ou ouviu falar.

9) Comunicação e Jornalismo na Era da Informação. O facto de a informação estar em constante difusão fez com que o jornalista perdesse a primazia de trazer ao público a notícia em 1.ª mão. Quais os prós e contras na sua opinião desta nova realidade?
DS) Não concordo com a primeira afirmação. O jornalista não perdeu a primazia de trazer ao público a notícia... o público é que poderá estar a ganhar novos “repórteres”, “cidadãos jornalistas”, e isso, poderá ser positivo, mas também muito negativo para a informação credível e cuidada. Só o tempo escreverá sobre o futuro do jornalismo, da televisão e das “auto-estradas da informação”. Para já, olho para esta realidade com prudência, mas também com a curiosidade de um admirável mundo novo por explorar. O futuro vai, decerto, passar por aí... pela complementariedade, pelas múltiplas plataformas de comunicação...


10) O quê que sente quando parte para uma nova reportagem exclusiva. Como é que nasce a verdadeira reportagem exclusiva, e que contornos pode alcançar?
DS) Depende das reportagens... mas sinto sempre um “friozinho na barriga” como na primeira vez. Sou jornalista por paixão e é na reportagem que mais me realizo. Se souber que vou encontrar dor, sinto ansiedade... Se souber que vou para Àfrica, tenho saudades antecipadas porque adoro aquele Continente... Na esmagadora maioria das vezes, não sei o que vou encontrar mas vou sempre ansiosa por lá chegar! Os resultados... vêm depois e são sempre imprevisíveis.

11) Pelos instantes em que conviveu com Barack Obama na mesma sala, que impressões retira da sua personalidade? Acredita que possa vir a tornar-se num líder carismático, ou já o é?
DS) Ao longo de 14 anos já estive com, e entrevistei, pessoas fantásticas, marcantes, seres humanos admiráveis, ditadores “detestáveis”, contadores de histórias apaixonantes... Famosos ou anónimos, mas sempre figuras únicas. Obama foi mais uma dessas pessoas. Fiquei muito satisfeita por ter tido a possibilidade de fazer reportagem em directo da primeira visita de Obama a Portugal. Ele é, de facto, UMA FIGURA. Tem carisma. É simpático. Afável. Estabelece contacto fácil, tem presença, credibilidade.
12) No meio de tantas tarefas é ainda professora universitária. Enquanto professora quais são os principais valores que tenta incutir aos seus alunos, futuros jornalistas deste país?
DS) Que se entreguem de corpo e alma ao jornalismo, mas também à difícil tarefa de serem “Seres Humanos”, com “S” e “H” maiúsculos. Falo com eles como jornalista, comunicadora... nunca me assumo como professora, académica, apesar de ter essa vertente na minha carreira (deixei o doutoramento a meio, está em stand by, espero terminá-lo quando a minha filhota for mais velha). Peço-lhes para terem a verdadeira noção do poder que um jornalista tem nas mãos, da importância da carreira, da responsabilidade... As minhas aulas são uma troca de experiências, de histórias, de ética e responsabilidade.

13) Qual é a sua posição relativamente ao novo acordo ortográfico? Favor, contra, mais um factor relativo à questão da globalização?...
DS) Esse é outro tema que prefiro não comentar. Como já deve ter percebido, ainda escrevo “sem acordo “! Não me imagino a escrever “ação”!
14) Enquanto jornalista que países já visitou e que peças mais a marcaram até ao dia de hoje?
DS) Bem... viajar é uma das minhas paixões. Viajo em trabalho, mas também em lazer, nas minhas férias... Rússia, Estónia, Letónia, Lituània, Alemanha, R. Checa, Aústria, Itália... Brasil, México, Cuba... Egipto, Argélia, Tunísia... Senegal, Mali, República Democrática do Congo, Moçambique, Suazilândia, África do Sul... Maldivas... Etc, etc, etc... Reportagens/acontecimentos: O Tsunami no Sri Lanka; os madeireiros portugueses e pigmeus na RDCongo; a “Missão Réo Mao - Aventura Solidária da AMI”, no Senegal (galardoada com um Prémio de Jornalismo da UNESCO e ACIDI, em 2009); os portugueses no Reino da Suazilândia... e uma grande reportagem sobre negligência médica durante o parto, “Condenados à Nascença”... as histórias do dia-a-dia!
15) Com alguns anos de jornalismo na sua carreira profissional que balanço faz da sua carreira, voltaria a fazer tudo da mesma forma?
DS) Quando se volta atrás... não é para repetir o mesmo, mas não me arrependo de nada do que fiz, só do pouco que deixei por fazer. Amo a minha profissão, ainda é cedo para balanços!
16) Para finalizarmos que conselho ou conselhos gostaria de deixar aos futuros comunicadores deste país?
DS) Leiam, leiam muito. Comuniquem, comuniquem muito. Informem-se. Façam tudo de uma forma apaixonada, esclarecida e responsável... de resto, sigam a intuição e façam por ser felizes! Boa sorte!


EM REPORTAGEM: «O SANGUE DA FLORESTA».

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